segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lênio Streck no Cornetadorw.Escrevendo sobre futebol e o Armário dos jornalistas.....



A arbitragem do campeonato e a necessidade de um Observatorio da Imprensa Esportiva
                                Lenio Luiz Streck
                         Ex-Procurador de Justiça-RS
                         Doutor e Pós-Doutor em Direito
Uma sociedade democrática funciona (melhor) na medida em que possui mecanismos de controle das instituições. Contemporaneamente, não é difícil perceber a importância, mormente na divulgação dos defeitos congênitos do sistema democrático, sendo o maior deles a corrupção. Sem a imprensa, estaria muito dificultado o trabalho dos agentes responsáveis pelo combate aos crimes em uma República.
Pois bem. Mutatis, mutandis, isso se aplica ao futebol. Quanto mais controle por parte da imprensa, mais condições temos de pressionar os clubes, as federações e até os governantes. Saber sobre malandragens e mal feitos de dirigentes, das mutretas envolvendo nomeações de auditores, escalações de arbitragens, trucagens nos sorteios, enfim, quanto mais imprensa livre e imparcial, mais condições temos de colocar a boca no trombone.
O problema é quando, indisfarçavelmente, parcela considerável da imprensa torce para um determinado clube, e, com isso, fecha um (ou os dois) olho(s) para o que acontece na arbitragem. Já há algum tempo, toda a imprensa – inclusive a que não torce para o Internacional – quedou-se silente com o estilo de apitar de Leandro Vuaden, deixando o jogo correr frouxo e incentivando que jogadores talentosos e franzinos sejam caçados em campo, além de propiciar que grandalhões pernas de pau façam fama e sucesso nos campos do esporte que deveria ser ludopédico.
Veio a Copa do Mundo e o fiasco da arbitragem internacional parece que convalidou a ruindade dos árbitros brasileiros. Os próprios jogadores da “selecinha brasileira” bateram a vontade nos chilenos, mexicanos e colombianos. Quando enfrentaram os alemães, se cagaram os de bagé, como se diz na minha terra.
Quem assiste aos jogos do brasileirão deve ficar estarrecido com o baixo nível da arbitragem. Ao ponto de o “grande filosofo” contemporâneo Arnaldo Cesar Coelho ter a cara de pau, ao defender o autêntico decisionismo (vale tudo) dos juízes de futebol, dizer, sobre um determinado caso em que o arbitro deu cartão amarelo quando deveria ter dado vermelho que “o juiz acertou dando o amarelo...mas não teria errado se tivesse dado o vermelho”. Bingo. E bingo mais uma vez. É assim que é a arbitragem no Brasil. Apita qualquer coisa e receberá o beneplácito dos comentaristas de arbitragem (argh) e da imprensa em geral, que só chia quando foi o seu clube de coração o prejudicado.
O jogo Gremio e Cruzeiro foi patético. O arbitro aos poucos foi “operando” o Grêmio. Dudu foi caçado em campo. O jogador grandalhão Nilton bateu o tempo todo e não recebeu cartão amarelo. Bastou uma entrada de um jogador do Grêmio e lá estava o amarelo. Pensei: como faz falta ter em campo um segundo árbitro como Dalessandro! O Grêmio, incompetente, não tem ninguém que faz o que Dalessandro faz (e muito bem, registro). Mas não li uma linha sobre a atuação do árbitro. Quem olhar o jogo de novo na TV constatará o que estou dizendo. Mas deve ver com os olhos de ver.
Veio o jogo do Gremio e Corintians. Desde o início que o arbitro mineiro foi cozinhando o Grêmio no bafo. O bandeirinha foi preciosista marcando o impedimento no gol anulado de barcos. E em outros lances. O mesmo bandeirinha que marcou o pênalti de Fabio Santos. Sim, um pênalti tão escandaloso que o bandeirinha marcou. E o arbitro consultou o jogador. Pasmem. Mas isso não é nada. Isso passa. Ser garfado acontece para qualquer time ( o Inter foi prejudicado em um ou dois jogos e, agora, foi beneficiado em dois jogos seguidos). Em tempos de juízes ruins, sobra para todo mundo.
O que é que importa, então? O que importa é o aspecto simbólico. O silencio eloquente da imprensa gaúcha, que incrivelmente, mesmo olhando o lance na TV, não viu a mão na bola do Fabio Santos. Até o bandeira viu. Mas a imprensa não viu e nem o comentarista de arbitragem viu.  Como não viram que a bola que originou o gol do Corintians fora invertida. Uma observação: vamos dar de barato que a bola tenha batido na cabeça do Fábio. Mas então não deveria a imprensa discutir a atitude subsequente do árbitro que, antes de consultar o bandeira, consultou o jogador? E o árbitro que fica atrás do gol? Ele não viu nada?
A imprensa deveria fazer o papel de constrangimento epistêmico aos maus árbitros (explico o que é constrangimento epistêmico: quer dizer que, com a critica, você força que haja mudanças de atitude; é como no ocorre no direito, quando, por exemplo, um juiz ou tribunal erra em decisão; vem os juristas especializados e descascam o juiz...para ele não fazer de novo!). Mas, como a parcialidade campeia, como foi contra o Grêmio, é mais fácil dizer que o Grêmio está colocando a culpa na arbitragem. Claro que o Grêmio é culpado. Quem perde para o Curitiba ou o Criciuma ou o Vitoria pateticamente, não pode chorar no final do campeonato. Quem deixa o Cruzeiro virar do modo como virou é incompetente. Mas dois erros não dão um acerto. Nada justifica a má arbitragem. Nada justifica o silencio eloquente de fortes setores da imprensa em relação ao péssimo nível dos juízes. Isso para dizer o mínimo, porque pode até haver manipulação. Qualquer um sabe que o arbitro pode minar uma partida invertendo faltas, dando perigo de gol etc. Nada justifica que um jogador leve sete faltas seguidas e isso fique por isso mesmo. Rodizio de faltas é igual a rodizio de apito. É pizza no apito.
O que falta, efetivamente, é um controle público das arbitragens. Falta mesmo é um observatório da imprensa gaúcha. E nacional. Falta um ombudsman da imprensa esportiva. Abri  os jornais de segunda-feira depois do jogo do Grêmio e esperei ver uma crítica à péssima arbitragem do jogo do Gremio. Não só do lance do pênalti, mas uma análise global. Nada vi. É um péssimo sinal. Ou apenas a confirmação de que, de fato, tem muita gente comprometida que só berra quando for contra o Internacional.
Claro. Ninguém é santinho nesse jogo de emoções. Há também um setor (gremista) que age desse modo quando os erros são ao contrário. Mas é bem menos gente, convenhamos. Por isso, precisamos colocar o dedo na ferida. Sem falsos moralismos. Em São Paulo e Rio os jornalistas se assumem torcedores. Por que no Rio Grande do Sul há esse farisaísmo de                 isentos” ou “neutros”, que qualquer um sabe que não é verdadeiro?
Penso que todos os jornalistas sedizentes neutros deveriam sair do armário e, finalmente, poderíamos fazer um censo de quantos somos vermelhos e quantos somos azuis. E, então, completar o time que está com menos. Para termos uma equiparação, certo? Não como é hoje.